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Uma sistematização da jurisprudência repetitiva do STF e do STJ sobre as contribuições previdenciárias

As contribuições previdenciárias são tributos encartados pela doutrina e jurisprudência majoritárias no subconjunto das contribuições da seguridade social, as quais se pautam na “obediência aos princípios da solidariedade e do equilíbrio financeiro e atuarial, bem como aos objetivos constitucionais da universalidade, equidade na forma de participação no custeio e diversidade da base de financiamento” (STF, ADI 3105, Red. p/ Ac. Min. Cezar Peluso, Pleno, DJ 18/02/2005). A sua matriz jurídico-constitucional é o artigo 195, que abrange quatro grupos: as contribuições do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei; a contribuição sobre a receita de concursos de prognósticos; a contribuição do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar; e as contribuições previdenciárias, objeto da sistematização que ora se apresenta.

As contribuições previdenciárias podem se destinar ao regime geral ou a algum dos regimes próprios de previdência social. Elas incidem sobre a remuneração, o que inclui as parcelas a ela incorporáveis, de todos aqueles que se enquadrarem como contribuintes. É necessário registrar que no regime geral, os proventos de aposentadoria e de pensão são imunes, o que não ocorre no regime próprio. Todavia, mesmo no regime geral, quando o aposentado retornar, legitimamente, ao mercado formal de trabalho, sobre a remuneração recebida incidirá contribuição previdenciária, por força do princípio da universalidade do custeio e do princípio da solidariedade (STF, ADI 3105), ainda que se inadmita a desaposentação e a reaposentação, atualmente, como definido pelo STF, no Tema de Repercussão Geral 503 (RE661256, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, DJe 28/09/2017).

A competência tributária para a instituição dessas contribuições é exclusiva da União, admitindo o texto constitucional (art. 149, §1º) uma única exceção, pela qual todos os entes subnacional podem, por meio de lei, instituir contribuições para custear o regime próprio respectivo, as quais serão cobradas dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, admitindo-se alíquotas progressivas em função do valor da base de cálculo. É importante sublinhar, como fez o STF no Tema de Repercussão Geral 55, que essa autorização constitucional é para a instituição de contribuição para o custeio do regime próprio, não para a instituição de tributos para custear serviços odontológicos, médicos, hospitalares e farmacêuticos prestados a seus servidores (RE 573540, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 11/06/2010).

A proposta da presente nota é sistematizar a jurisprudência vinculante do STF e do STJ a respeito da incidência ou não de contribuições previdenciárias sobre algumas situações que poderiam servir como critério material para a base de cálculo. Vejamos:

1. O artigo 60, §3º, da Lei 8.213/1991 prevê que “durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral”. O STF, ao decidir sobre a existência de repercussão geral no Tema 482, firmou que “a questão da incidência de contribuição previdenciária sobre os valores pagos pelo empregador ao empregado nos primeiros quinze dias de auxílio-doença tem natureza infraconstitucional” (RE 611505, Rel. Min. Ayres Britto, Plenário Virtual, DJe 15/02/2013). O STJ, então, no Tema Repetitivo 738, consolidou que: “Sobre a importância paga pelo empregador ao empregado durante os primeiros quinze dias de afastamento por motivo de doença não incide a contribuição previdenciária, por não se enquadrar na hipótese de incidência da exação, que exige verba de natureza remuneratória” (REsp 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 18/03/2014). Portanto, o pagamento referente aos primeiros quinze dias consecutivos de auxílio por incapacidade temporária não atrai a incidência da exação, o que qualifica sua natureza não remuneratória. No campo das provas, o contribuinte deve comprovar o seu afastamento da atividade laborativa, bem como o pagamento com a respectiva retenção pelo empregador, empresa ou equiparado.

2. O artigo 28, §7º, da Lei 8.212/1991, dispõe expressamente que “o décimo-terceiro salário (gratificação natalina) integra o salário-de-contribuição, exceto para o cálculo de benefício”. Em 2003, o STF aprovou a Súmula 688, com este enunciado: “é legítima a incidência de contribuição previdenciária sobre o 13º salário”, o que foi reafirmado, pelo próprio Tribunal, posteriormente, em sede de repercussão geral, nos Temas 215 e 20 (respectivamente: RE 583029, Rel. Min. Gilmar Mendes, Pleno, DJe 18/12/2009 e RE 565160, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 23/08/2017). Portanto, o décimo-terceiro salário tem natureza remuneratória e atrai a incidência da exação. É importante observar, a título de registro, que a lei não restringe a gratificação natalina às modalidades integral ou proporcional, o que inviabiliza qualquer tentativa restritiva por meio de interpretação, como, a propósito, decidido pelo STJ: “é pacífico no STJ o entendimento quanto à incidência da contribuição previdenciária sobre o décimo terceiro salário proporcional ao aviso prévio indenizado” (REsp 1810236, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, j. 25/06/2019, DJe 01/07/2019).

3. O artigo 487 da CLT garante ao empregado a concessão, pelo empregador que houver rescindido o contrato sem justo motivo, de um prazo mínimo entre o aviso e o fim do vínculo. Na falta desse aviso prévio, o §1º garante ao empregado o direito aos salários correspondentes ao prazo não concedido, bem como a integração desse período ao seu tempo de serviço. O STF, ao decidir sobre a existência de repercussão geral no Tema 759, firmou que a questão sobre a incidência de contribuição previdenciária sobre o aviso prévio indenizado é infraconstitucional (ARE 745901, Rel. Min. Teori Zavascki, Pleno, DJe 18/09/2014), embora o aviso prévio seja direito com assento constitucional (art. 7º, XXI). O STJ, então, firmou, no Tema Repetitivo 478, que “não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos a título de aviso prévio indenizado, por não se tratar de verba salarial” (REsp 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 18/03/2014). O recebimento do aviso prévio deve ser demonstrado pelo interessado – normalmente por meio de TRCT –, assim como a incidência, que, se ocorrida, é indevida, salvo no caso da gratificação natalina proporcional ao aviso prévio indenizado. Todavia, é importante destacar que a aplicabilidade da tese está sobrestada, por decisão da Vice-Presidência do STJ (25/07/2017), em razão do Tema de Repercussão Geral 163, muito embora este já conte com tese fixada e acórdão transitado em julgado desde 2021, bem como se refira apenas aos proventos de aposentadoria do servidor público (RE 593068, Rel. Min. Roberto Barroso, Pleno, DJe 22/03/2019).

4. O artigo 7º, XVII, da CF/1988, assegura ao trabalhador o direito ao “gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal”. As férias podem ser gozadas ou indenizadas, podendo o seu pagamento ser feito de três formas: simples, dobrada ou proporcional. Além disso, existem dois tipos de férias indenizadas: as férias adquiridas, mas que, com a rescisão do contrato, não puderam ser usufruídas, seja porque não iniciado o período concessivo (proporcionais), seja porque iniciado, mas não foram agendadas (simples), são as férias indenizadas; e as férias adquiridas, mas que, mesmo o contrato vigente, não foram concedidas no período adequado (CLT, art. 137 c/c art. 134) ou foram pagas a destempo (CLT, art. 145), são as férias em dobro. Os dois casos são distintos das férias gozadas, quando há respeito ao período concessivo e quando a remuneração e o terço são pagos tempestivamente.

4.1. Em relação às férias gozadas e ao adicional de férias gozadas, o STJ, no Tema Repetitivo 479, havia firmado ser indevida a incidência da contribuição previdenciária (REsp 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 18/03/2014). Todavia, a Vice-Presidência sobrestou a aplicação da tese em 08/04/2019, em razão do Tema de Repercussão Geral 985, no qual o STF fixou que “é legítima a incidência de contribuição social sobre o valor satisfeito a título de terço constitucional de férias” (RE 1072485, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, DJe 01/09/2020), tendo o acórdão transitado em julgado em 2021. Há que se registrar que as férias e seu terço são matéria de natureza constitucional, o que é suficiente para determinar o cancelamento do Tema 479 do STJ, devendo-se, ademais, recordar que o próprio STJ, no Tema Repetitivo 881 fixou que tais rubricas têm natureza remuneratória (REsp 1459779, Rel. p/ Ac. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Seção, DJe 18/11/2015).

4.2. Em relação às férias indenizadas e ao adicional por férias indenizadas, o artigo 28, §9º, “d”, da Lei 8.212/1991, prevê que “as importâncias recebidas a título de férias indenizadas e respectivo adicional constitucional, inclusive o valor correspondente à dobra da remuneração de férias de que trata o art. 137 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT” não integram o salário-de-contribuição. Trata-se, à evidência, de uma norma isentiva, à qual o STJ fez coro, no Tema Repetitivo 737: “no que se refere ao adicional de férias relativo às férias indenizadas, a não incidência de contribuição previdenciária decorre de expressa previsão legal” (REsp 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 18/03/2014). Registre-se que a Vice-Presidência do STJ, em 08/04/2019, sobrestou a aplicação da referida tese, em razão do Tema 985/STF. A leitura da tese firmada pelo STF não permite afirmar se ela se refere às férias gozadas e às férias indenizadas. Entretanto, segundo se retira da ementa, a decisão se restringiu às férias gozadas e seu adicional, o que sugere a manutenção da tese firmada pelo STJ em seu repetitivo.

5. O artigo 7º, XVI, da CF/1988, garante ao trabalhador o direito à “remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, a cinquenta por cento à do normal”. Trata-se do instituto das horas extras. O STF, em sede de repercussão geral, no Tema 908, firmou que se trata de questão infraconstitucional (RE 892238, Rel. Min. Luiz Fux, Plenário Virtual, DJe 13/09/2016), razão pela qual se deve aplicar a tese do Tema Repetitivo 687, em que o STJ firmou: “as horas extras e seu respectivo adicional constituem verbas de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeitam à incidência de contribuição previdenciária” (STJ, REsp 1358281, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 05/12/2014).

6. O artigo 7º, IX e XXIII, da CF/1988, garante ao trabalhador os direitos aos adicionais por trabalho noturno, penoso, insalubre e perigoso. Em relação aos adicionais de trabalho penoso (para o qual não há regulamentação) e insalubre, não há jurisprudência vinculante, a qual existe para os outros dois casos. Assim, o STJ consolidou, no Tema Repetitivo 688, que “o adicional noturno constitui verba de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeita à incidência de contribuição previdenciária”, e, no Tema Repetitivo 689, que “o adicional de periculosidade constitui verba de natureza remuneratória, razão pela qual se sujeita à incidência de contribuição previdenciária” (REsp 1358281, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª Seção, DJe 05/12/2014). Apenas para fins de registro, em relação ao adicional de insalubridade, as duas Turmas da 1ª Seção do STJ concordam que se trata de verba remuneratória (AgInt no AgInt no AREsp 1680585, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª Turma, DJe 18/12/2020; AgRg no REsp 1559166, Rel. Min. Assusete Magalhães, 2ª Turma, DJe 24/02/2016).

7. O artigo 7º, XI, da CF/1988, garante o direito do trabalhador à “participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração”. O dispositivo foi regulamentado pela MPv 794/1994, reeditada sucessivas vezes até a MPv 1982-77/2000, convertida, então, na Lei 10.101/2000. De acordo com o STF, em sua tese fixada no Tema de Repercussão Geral 344, “incide contribuição previdenciária sobre as parcelas pagas a título de participação nos lucros no período que antecede a entrada em vigor da Medida Provisória 794/1994” (RE 569441, Rel. p/ Ac. Min. Teori Zavascki, Pleno, DJe 10/02/2015). O STJ adota o mesmo entendimento, mas acresce um requisito para a não incidência posterior ao início da vigência da MPv 794 (30/12/1994): “não incide contribuição previdenciária sobre os valores pagos aos trabalhadores a título de participação nos lucros ou resultados, desde que haja a participação dos trabalhadores na respectiva negociação” (AgInt no REsp 1815274, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª Turma, DJe 21/10/2020). O entendimento não foi firmado em sede de jurisprudência vinculante, mas deve ser observado por quem tiver interesse na restituição de contribuição indevidamente retida.

8. Por fim, o texto constitucional protege a maternidade (arts. 6º, 201 e 203), tendo a Lei 8.212/1991 previsto que “o salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição” (art. 28, §§2º e 9º, “a”). O STF, em sede de repercussão geral, firmou, no Tema 72, que “é inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade” (RE 576967, Rel. Min. Roberto Barroso, Plenário, DJe 19/08/2020). O STJ havia firmado, no Tema Repetitivo 739, que “o salário-maternidade possui natureza salarial e integra, consequentemente, a base de cálculo da contribuição previdenciária” (REsp 1230957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, DJe 18/03/2014). Em 08/04/2019, a Vice-Presidência do STJ sobrestou a aplicação da tese, em razão do Tema de Repercussão Geral 985, o qual, no entanto, não tem relação com o tema aqui tratado. Nesse passo, como o STJ também decidiu sobre a contribuição a cargo do empregador, possivelmente o Tema 739/STJ sucumbirá ao Tema 72/STF.

O conhecimento da jurisprudência vinculante do STJ e do STF revela-se imprescindível a todos os operadores do direito, seja para evitar as demandas aleatórias, as quais são tão desnecessárias quanto impeditivas de uma prestação jurisdicional mais célere, seja para evitar a necessidade de interposição de recursos para corrigir decisões que não observam tais entendimentos.


Por Julio Siqueira e Daury Cesar Fabriz

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